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domingo, 17 de agosto de 2014

Gasômetro já foi desativado na capital




Da Zero Hora - Os boatos de que a Usina do Gasômetro fecharia rondavam o chão de fábrica em meados de 1973, com a crise dos combustíveis. Quando eles se confirmaram, exatos 40 anos atrás, Luís Carlos Slavutzki sentiu um vazio. Aquele era seu primeiro emprego, aos 18 anos, e explorar o prédio em que o maquinário antigo lembrava a Revolução Industrial era uma diversão. 

A euforia deu lugar à melancolia durante os seis meses que se sucederam à desativação, em 12 de agosto de 1974. Coube a Slavutzki velar o prédio abandonado. Foram 159 dias batendo o ponto diariamente, cinco dias por semana, para ver relíquias transformarem-se em ferro-velho. Ele era uma espécie de supervisor de desmonte.

— Eles ficavam desmontando os equipamentos, e eu explicava como deveriam ser desmontados. Aí, eles pesavam tudo para ser vendido como sucatas — conta.

Naquela época, a Usina estava longe de ser o símbolo de Porto Alegre em que se transformou nos últimos anos. Era só um prédio velho, condenado à demolição para a abertura de uma nova avenida. Já cumprira sua função: desde 1928, abastecera a cidade de energia elétrica, primeiro pela queima de carvão, depois pela queima de óleo.

O que o edifício tinha de valor, em 1974, era o metal dos equipamentos que sobraram — e que renderiam uma boa quantia à mantenedora na época, a Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica (CEEE). Por isso, era necessária a supervisão de alguém de confiança como Slavutzki.


Hoje, aos 59 anos, um dos últimos remanescentes entre os operários que conheceram o prédio em sua função original, ele percorre os corredores rememorando como eram os dias por lá. No intervalo do almoço, costumava pescar à beira do Guaíba, percorrer as tremonhas — espécie de funis que serviam para despejar o carvão — ou admirar a vista do terraço.

Dentre as histórias que Slavutzki ouviu, está a de que, na década de 1950, os misters, como eram chamados pelos funcionários os chefes americanos, usavam o local onde hoje funciona o terraço como quadra de tênis nas horas vagas.

Quando a usina fechou, encerrando uma era na história da cidade, Slavutzki era encarregado da programação da manutenção. A silhueta dele está adornada hoje na porta de entrada do edifício, que virou espaço cultural nos anos 90, depois de passar uma década em ruínas e de salvar-se da implosão graças a uma grande mobilização da sociedade.

A escultura em arame retorcido reproduz a última foto retirada do local antes da desativação, em que Slavutzki aparecia ao lado de 10 colegas. A entrada do espaço carrega uma sutileza artística: coloca lado a lado os trabalhadores de ontem com os de hoje.

Josmeri Pergher Puhl, 49 anos, foi uma das poucas funcionárias do espaço remodelado que pôde vivenciar na prática a mensagem da obra. Ela trabalha desde 1992 como arte educadora, promovendo oficinas no espaço Usina do Papel e também como guia turístico do lugar. Protagonista do novo papel que a usina assumiu na vida da cidade, o de ícone turístico e cultural, ela tirou a manhã de sexta para aprender com Slavutzki sobre a encarnação anterior do edifício e para confirmar histórias que imaginava serem lendas.

— É verdade que os presos do Cadeião (unidade prisional) que funcionava aqui do lado vinham trabalhar na usina?

— Sim, eles vinham, entre 50 e cem, todos os dias. Empurravam o carvão em vagonetas até a parte onde era feito o descarte. O trabalho nas caldeiras era o mais difícil, conta Slavutzki:

— O cara ia subindo a escada para mexer na caldeira e ia pegando fogo embaixo. Tinha que vir um com água para apagar as chamas.

Encerrada a desocupação do prédio, em 1975, Slavutzki evitou o saudosismo, mas achou triste o período de degradação que se seguiu até a restauração, em 1988. Hoje, vendo o lugar um sinônimo de Porto Alegre, ele volta às origens de tempos em tempos, mas como qualquer outro cidadão: para desfrutar de um dos espaços que já não fornece energia, mas continua a propagar luz.

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